quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

do avesso

um segundo vira os planos do avesso
um travesso momentinho do capeta
faz careta pra assustar com a mesma arma
mas seu carma vem na forma do meu mundo

tripulias meticulosamente inventadas
e contadas como verdade se o caso for
de por em evidência uma velha falha
em que a malha se dá de acordo com as folias

por fim um grande alívio ao perceber
que não ceder pode ser uma opção
em vez de não segurar a velha ponta
que remonta ao grande ato que é de mim

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

4º CONTO

UM HERÓI

Um barulho! Sim, tinha certeza que acabara de escutar um barulho vindo da varanda. Mas não havia ninguém em casa, ninguém além dele e de sua insônia, que o perseguia desde o começo do mês.

Já se acostumara a não dormir. Os olhos pareciam esmurrados no espelho, mas eram só olheiras. Conversava e se divertia muito enquanto acordado, mas não sabia ao certo com quem. Ficava pensando em como seria se aquela linda mulher da fila do banco olhasse para ele de um modo que não fosse comum. Iria diverti-la e fazer com que ela pensasse que os momentos não poderiam ser melhores com ele e piores sem. Só assim pegava no sono e podia se livrar logo de si mesmo; ou então, não pensava em nada e tentava dormir na marra. Em vão.

Mas aquele barulho o animara. Agora tinha alguma ocupação enquanto o desejado sono não vinha. Não era todo dia que acontecia algo estranho por ali. E um barulho vindo da varanda – sim, tinha certeza – era uma coisa muito estranha para àquela hora da madrugada. Poderia ser algum ladrão tentando quebrar o cadeado do portão da varanda com algum martelo ou coisa do gênero. Um pensamento involuntário e repentino veio à sua mente: e se fosse só o vento? Que tolice! Por ali não havia ventos com força o bastante para causar um barulho daquele. Sim, não havia dúvida. Alguém estava tentado invadir sua casa, e ele não podia nem queria permitir isso. A mulher do banco ficaria orgulhosa se ele fizesse algo que provasse sua coragem e seu amor por ela.

Levantou-se vagarosamente, aproveitando cada momento em que seu corpo imitava ao de um herói cauteloso, ciente do perigo que o aguardava. Pé ante pé, locomovia-se felinamente. Ouvidos atentos para detectar mais outro possível barulho, por menor que fosse – um rangido de porta ou passos no chão, não importava. Estava pronto. Chegou à porta da sala, que dava direto para a varanda, esticou o braço para abri-la, vacilou. Não queria dar de cara com o inimigo, poderia ser muito perigoso. Não sabia do que se tratava. O invasor podia estar armado ou estar com mais alguém, um ajudante. Não queria pôr em risco a vida da mulher da fila do banco, sua amada. Com passadas longas e rápidas, porém silenciosas, chegou à janela.

Precisava abrir as venezianas sem fazer barulho; já havia barulho demais por ali, iria deixar isso por conta dos ladrões. Ele só observava. O ferrolho que mantinha as venezianas erguidas estava meio enferrujado, não seria uma boa idéia tentar puxá-lo. Suava frio enquanto pensava em onde os invasores poderiam estar. E se tivessem entrado pelos fundos e já estivessem dentro da casa? Arrepiou-se. Não podia sentir medo, pois a mulher do banco o observava, confiava nele. Mesmo com o olhar de exigência e quase imploração por algum ato de bravura, como se ela duvidasse de sua capacidade, ele sabia que era só capricho ou carência de mulher. Num gesto raivoso e decidido, puxou o ferrolho com rapidez e a madeira estalou. Tentava colocar os olhos arregalados entre as venezianas a fim de assustar quem estivesse lá fora. Mas não via ninguém.

A mulher da fila do banco encarava-o aparentemente assustada, esperando alguma reação do seu bravo homem, a quem escolhera para viver para sempre. Ele não podia decepcioná-la, não estava ali para isso. A casa era sua e ninguém entraria sem a devida permissão. Tinha que dizer isso em voz alta, assim ela se acalmaria e o abraçaria, mas preferiu ficar calado e transmitir alguma expressão de confiança para poder ver o sorriso desconcertado da bela mulher debaixo de sobrancelhas mortas e pupilas afogadas em lágrimas de orgulho.

Encontrou-se ainda à janela. Tranqüilidade lá fora. O barulho nem mesmo parecia ter acontecido. Mas não restava dúvida, tinha ouvido algo de estranho vindo da varanda e precisava descobrir do que se originara.

Depois de mais algum tempo parado, olhando para o céu através das venezianas, distraiu-se com a lua, com as nuvens avermelhadas e com as estrelas que brilhavam aleatoriamente. Resolveu voltar para a cama. Se ouvisse mais alguma coisa, voltaria correndo e muito zangado. Rosnou algo parecido com isso a uma altura suficiente para ser entendido e sentiu o forte abraço de sua amada.

Deitou-se. A insônia ainda estava presente, evidente. A mulher da fila do banco estava ao seu lado, e ele passaria a noite em claro, se preciso, somente para protegê-la. Mantinha-se acordado e já não pensava em mais nada. A mulher do banco estava em algum lugar, longe. Não conseguia dormir. Dessa vez, por medo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

o som dos sonhos

impera o grave de grossos fios e de pele viva
num palco de samba estampado com flores
onde o recheio de grãos inquietos marca a hora
de entrar quase caindo numa saia rodada

enganos de pausa fazem os pés se encontrarem
e então se calarem com a euforia um do outro
sapecando no repique do balanço que se estende
pra outro dia não haver com tamanha liberdade

passa cor e passa brilho sem vazio nesse espaço
todo passo em quaquer tempo sem ousar pedir perdão
epidemia de alegria contagia e não tem cura
o som dos sonhos quero ouvir em cada instante mais real

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

antes morto

um tacape de responsa
me faz criar coragem
pra enfrentar aquela onça
que não quer me dar passagem

quando sinto o bafo dela
quase cai o meu nariz
meu castigo é a besta fera
por todo mal que fiz

taco o pau em sua testa
mas a onça não se acanha
pelo visto nada resta
a não ser usar minha manha

pego o mote no cipó
e dou dez piruetas
meto o dedo em seu fiofó
enquanto a fera faz caretas

dou carreira na estrada
e caio em um precipício
morro com a mão melada
de escrementas do orifício

a moral da história é pouca
nunca banque o "kung-fu"
antes morto pela boca
do que sujo pelo ...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

(im)próprio

pensar chega a doer demais
e quanto mais eu me aproximo de mim
menos distante eu estou do instante
que de tão real só quer fugir

de mim e por mim talvez o faça
e renasça em outra forma no amanhecer
quando minha alma tocar o fogo sem queimar
e a tua tocar a minha sem querer

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Série Velhos Poemas: O PESO

junto cada lágrima forçada e em vão
amarro cada passo perdido no chão
guardo cada olhar atordoado ou para o teto
pego o espaço em cada segundo insistente
prendo o pavor em cada piscada improvável
analiso o vazio em cada momento inútil
é assim que eu calculo o peso da solidão

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

nova forma de torpor

nenhuma tarde reconhece o seu valor
mesmo tendo um grande tema a seu dispor
um belo esforço exala todo o seu sabor
somente após o fim do dia o sol se pôr

tendo em vista quem recebe a velha dor
de esperar por um momento com outra cor
e faz a fonte de alimento pra uma flor
que esconde uma nova forma de torpor

tem alguém que poderia até supor
que o tempo abana forte esse calor
mas ninguém entende isso até se for
outra maneira de sentir o mesmo amor

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

na presença do porvir

no improviso de um tema para lá de desejado
arrepio com uma dose de momento congelado
após uma briga limpa que me deixa atropelado
e antes de um estoque de lamúrias a guardar

enquanto isso me deleito na doçura da inércia
que me faz atravessar numa paciência quieta
a riqueza soberana que de sabia não é certa
até chegar num mar despreocupado de nadar

entre faltas e excessos o produto é bem maior
e se faz por não se ter em toda esquina que dá nó
contribuindo para um dia que aponte um melhor
que faltando ou sobrando sempre dá o que falar

possuo em meus segredos um que não está em mim
e por isso é justo ele que me faz ser tão assim
sonhador que toca o chão toda vez que não vê fim
até chegar num céu despreocupado de voar

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

além do cinza e outras cores

eu vejo um pobre pato se iludir
e preferir a liberdade moralista
embora em sua fama de artista
também tenha se enganado por aqui

em meio ao nosso som contagiante
que uma ave de chapéu apresentou
e até com a moça-fruta ele dançou
no seu gingado de escape estonteante

o pato tinha um gesto mecânico
até que acordou desse sonho
e com um pensamento enfadonho
desabrochou quase epifânico

o que seria da saúde do patinho
se descobrisse o seu cisne interior:
resmungaria como sempre de horror
ou partiria em busca do ninho?

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

DIÁLOGO XI

"NUNCA SE CHORA POR UMA SÓ RAZÃO"

nos tropeços da vida é que a gente nota o quão morto não se está, por mais que os dias se arrastem numa conformidade que faz do futuro algo totalmente previsível. um reencontro de duas pessoas não muito importantes uma para a outra, mas que faz ambas se lembrarem de uma época com um sentido único para a vida de cada uma delas; um diálogo que, embora se trate de uma prática artificial onde objetivos têm que ser buscados, não deixam de tocar pessoalmente até aquele (e talvez principalmente aquele) que está num local permeado de estigmas que predizem uma atitude neutra; o ressurgimento do anseio por um sonho que não se tem mais certeza de sua realização, o que torna sua busca muito mais interessante e menos viciada; um filme que não diz muito sobre quem o assiste, mas que o sensibiliza de uma maneira quase nunca experienciada, talvez exatamente por causa disso...

são nesses momentos que presenciamos a existência de mudanças mesmo quando elas não se fazem perceber a olhos nus, talvez porque o termo "mudança na vida" geralmente seja interpretado como uma revolução radical no modo viver. porém, não falo deste tipo de mudança, falo de transformações de pequena proporção, mas de grandes significados. transformações que não exigem hora, lugar e nem forma para acontecer, pois antes alimentadas pela revolta contra uma vida ordinária, agora se traduzem em uma necessidade quase natural desta. digo "quase" porque não devemos desconsiderar o nosso papel fundamental na construção dessa necessidade, uma necessidade intencional.

como sempre, tudo o que nos resta é fazer o melhor possível e saber a hora de deixar as coisas caminharem. a segurança de ter tudo sob controle não chega perto da satisfação de admirar a vida acontecendo, mesmo que no final tudo dê errado. isso porque, na minha opinião, a principal função do ser humano em sua vida é muito mais ter forças pra continuar do que pular de alegria por ter vencido uma batalha. embora ambas sejam igualmente irresistíveis.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

bala de mel

ele vai e volta sempre em segredo para os íntimos
caminha em solidão esbarrando em figurantes
embora aberto à influência de detalhes mínimos
compara a validade com as certezas de antes

uma grande intromissão não traz novos desafios
ele finge desinteresse numa lembrança a calhar
depois de uns copos de conversas metade vazios
procura algum suporte de importância ao falhar

uma gema que decide pular fora de seu ovo
aceita o seu convite para o mundo descobrir
mas ele sabe friamente que não há nada de novo
e contrai todo seu corpo para a alma não subir

ele vai e sempre volta em desespero para os anjos
caminha acompanhado por fantasmas do presente
embora amante de estradas criadoras de arranjos
compara suas ações com os desejos que ela sente

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

à décima vista

através de um rosto sedento por outro
me perco em traduções de curvas perfeitas
e só quero me achar no reflexo do olhar
pois ali retorno a mim por dentro dela

uma bela sequela de uma ocasião
me leva embora para sempre mais voltar
vendo em luzes artificiais de uma metrópole
somente duas verdadeiras que as admiram

transbordam em uma vida e no universo
mas cabem em um instante bem menor
que se faz eterno por nunca ser presente
e por ter ido embora somente pra onde estou

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

o andarilho e o fim do mundo

andava eu a pés descalsos por uma estrada de areia
pra todo canto que olhava só via mato e urubus
já caminhava havia horas clamando a Deus por uma meia
e se não fosse pedir muito, uma tigela de cuscuz
eis que chego a uma cidade cujo nome me espantou
"Benvindo ao Fim do Mundo (pois foi tudo o que restou)"
ergui minhas mãos ao céu, mas não me veio nenhuma luz

de repente apareceu um caboré que dava medo
começou me dando água que bebi feito cavalo
"chegou no Fim do Mundo, antes tarde do que cedo"
mostrei a ele os meus pés, onde não faltava calo
o caboré pegou minhas mãos e amarrou com um cipó
e saiu me arrastando que quem visse tinha dó
"isso tá é bom só de eu não ter que andar", falo

enquanto ele me puxava, ia contando a minha história
disse como me obrigaram a vagar pelo sertão
depois de eu ter tirado o cabaço de Vitória
a mocinha que acreditavam ser a "Santa do Povão"
mas antes me fizeram comer os meus chinelos
e o couro mal cabia no meu bucho de magrelo
depois dessa, de Vitória eu nem fiz mais questão

o caboré então parou num casebre bem decente
me fez esperar fora e entrou chamando alguém
eis que para meu espanto, apareceu de repente
uma jovem bem fogosa, e eu ali, um Zé Niguém
ao notar que era Vitória, a comade que eu comera
não sabia se arriava ou se fazia uma carreira
fiquei sem entender e sem passar mal nem bem

o caboré voltou de dentro do casebre com outro rosto
se antes dava medo, restava agora me enterrar
era o Diabo em pessoa ou então um grande encosto
cheirava a fumo e a enxofre que mal dava pra aguentar
o cipó que me amarrava virou a diaba de uma cobra
que me enlaçou e só deixou um buraquinho véi de sobra
pra eu respirar e escutar o que o caboré ia falar

"quem mandou se engraçar com uma santa de verdade
fosse por mim eu lhe passava uma peixeira no miúdo
mas Aquele que me supera nunca me dá a liberdade
de fazer o mal que quero com quem se mete a ser queixudo
esta santa do meu lado nunca há de entrar no Céu
no máximo o que vai ter é um enterro num mauzoléu
por tua lábia e desrespeito, vai virar mais um bicudo"

foi então que de uma vez senti uma coisa estranha
meu corpo não era mais igual ao de um homem
tinha asas, penas pretas e uma fome de entranhas
o cangaceiro Boi Zebú abriu o seu abdômen
não resisti e avancei tão rápido quanto pensei
que aquela era minha pena pelo tanto que pequei
e só haveria de comer o que os urubus comem

até hoje aqui estou juntamente com os outros
que um dia sobrevoaram tentando me impedir
de entrar no Fim do Mundo pra salvar os meus couros
e nunca mais nessa vida eu haverei de sentir
o prazer de por os pés em terra firme como antes
e de andar pelo sertão à procura de amantes
pois agora sou forçado a só voar sobre quem vir

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

3º conto

FOGO E RINOCERONTE

Lágrimas a conta-gotas na pia. Maquiagem borrada, blusa rasgada, cabelo despenteado. Se as paredes falassem, com certeza iriam sugerir uma pílula ou algum objeto pontiagudo, pois o cenário era perfeito. Logo ela... Não podia ver uma discussão que ia logo se metendo no meio para servir de almofada. Ninguém diria, ninguém... Acusariam qualquer um, mas não ela.


Começou como mais outro bate-boca típico das noites de sexta. O tilintar das chaves já denunciava, e seu coração acompanhava o ritmo. Sempre a mesma desculpa dada com bafo de desinteresse: cansaço depois de uma semana inteira de trabalho, justificando o bar, a bebida, a fúria, o assédio. Mas foi diferente, ela quis reagir. Quem diria, logo ela... Foi tudo muito rápido e impensado, só como um simples movimento brusco para se defender. Já tinha se passado de tudo pela sua cabeça, menos aquilo. Não planejara, fora tudo tão rápido... Era certo que alguma coisa ela tinha que fazer se não fosse mesmo uma “vagabunda”. Mas passou do limite, coitada, logo ela...

A porta entreaberta possibilitava que os olhos dele fitassem-na vidrados, como se querendo gritar e denunciá-la. Apertou os lábios e encostou a porta do banheiro num gesto rápido, como o que havia feito acontecer. E aconteceu que se lembrou de que não aconteceria mais nada. Estava salva, livre e aliviada. Lá no fundo, alguma coisa que restava de sua instintiva cólera esboçava um sorriso sarcástico de satisfação. Quem diria... Ninguém! Logo ela, que nunca levantou a mão contra ele nem contra o menino. E o menino já devia ter acordado. Ia entrar e entender tudo, ou não, pois era muito pequeno ainda. Grande seria a revelação.

Maldita idéia de guardar debaixo do travesseiro, parecia até que era infeliz no casamento. Mas não pensava em usar, coitada, logo ela... Se tivesse ido direto se deitar quietinha, como de costume, ele teria feito rápido e se virado para o outro lado, como de costume. Mas se passava de tudo pela sua cabeça, quem sabe foi guiada pelo inconsciente como um mecanismo de defesa. O menino ia entrar e ia ver, tinha certeza. Não estava com estômago nem saco para limpar a sujeira e esconder o corpo.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

a prancha 16

impregnado de mundo e vida em meu corpo
deparo-me comigo mesmo quando nada vejo
por uma figura curiosa ou um borrão de tinta
o caminho que projeto não sai aqui de dentro

e num simples bocejo que enfeia qualquer um
percebo o sentido da vida que eu quero dar
invento, digo e repito várias histórias mirabolantes
e quem aborve não é ninguém nessa sala apertada

preguiça, amor, pecado, sintonia e loucura
nada cabe num espaço em branco que alguém segura

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

o chão é pra dançar

taca o pé na areia batida que nunca parte
mas levanta sujeira que ninguém quer lavar
chinelo de couro não se importa em rasgar

numa saia rodada, do imoral se faz arte
a moça que gira tem a cor do café
falta roupa de linho mas aqui sobra fé

o rapaz que acompanha quase tem um enfarte
com o calor que promete esquentar para sempre
"quem chegar no recinto, pegue o mote e entre"

e ao som da rabeca ecoando até tarde
com o suor sertanejo que cheira a liberdade
o casal estampado faz amor de verdade

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

tem de tudo e tende a pouco

poucos são sãos
muitos sansões
de cabelo e coelho
muitos tem um pouco

já sei que sansei
já cansou e cessou
de buscar em terra firme
o caminho para o céu

trocando de lado
não troca de fardo
em todo caso e canto
existe pouco de tanto

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Série Velhos Poemas: CONSERVAÇÃO

que estejam cansados
do avesso da realidade
que destruam
nossos pensamentos
diluídos em sentimentos
inexistentes, porém incontestáveis
que parem
de tentar achar respostas
respirando idéias bobas
que ninguém quer desistir
que desistam
de esconder qualquer verdade
que talvez possa existir
por trás de tanta ignorância
que nos mostrem
o que realmente procuramos
e viemos procurando
desde o despertar
da primeira aurora
que algum de nós
mude alguma coisa
para sempre algum dia
que seja o fim
das ilusões, das traições
de qualquer coisa
que ainda seja conservada
por quem tem medo de existir
e que a realização da realidade
venha a ofuscar os olhos
de alguém que algum dia
mude de idéia

para sempre...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

fidalgo tiro-certo

o menino fidalgo tinha uma espingarda
matava calango e brincava de guarda
metia bala nos ruivinhos com sarda
só não em si mesmo, pois "talvez arda"

menino traquina atirava pra todo lado
ali, pombo-correio não deixava recado
quando avistava um, já estava armado
o pobre voador caía todo estilhaçado

mas como todo menino, fidalgo cresceu
tantas mortes nas costas, então resolveu
selecionar suas vítimas "só pra ver se eu
tomo jeito na vida pra matar quem mereceu"

foi então que fidalgo descobriu uma maneira
de atirar no alvo certo sem errar por besteira
pegou sua espingarda e sentou-se em uma cadeira
deu um tiro em sua testa que inchou feito papeira

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

figura estranha

uma figura estranha emerge do chão
tento afundá-la novamente sem sucesso
perco a paciência e a deixo quieta
mas novas figuras estranhas aparecem
consigo pisar em algumas, mas perco o controle
aquela primeira figura esboça um sorriso
por saber que eu não sou capaz de enterrá-la

mas, de repente, alguém entra pela porta
meus passos em direção à pessoa são seguros
tanto, que afundam as figuras secundárias restantes
levo o alguém para o local onde tudo começou
um leve sopro é o bastante para a figura esvaecer

desde então, novas figuras ainda emergem do chão
porém, nenhuma é párea para a força de nós dois

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

daqui

passam dias e a janela aberta não adianta
pois o vento não circula e só me bate com a mesma força
indo e voltando com os mesmos grãos de afeto
que inevitavelmente têm o mesmo gosto

já faz tempo...

mas ao contrário de natalie, eu forço a barra
e não espero o cubo de madeira voar
imerso no mar de possibilidades da imaginação
eu minto e justifico pela liberdade dos poetas
de ser outro diferente e até oposto

mas que não sai daqui.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

DIÁLOGO X

SOBRE CERVEJA, FUTURO E PESSOAS

quando tudo o que você pensava que antes estava errado agora não parece um problema, um alívio imediato toma conta de toda a situação. isto não é errado. isto não é crime nem pecado, como já indagou Homer Simpson.

nestes momentos há sim coisas a serem levadas pro resto da vida, há sim mazelisses, safadesas e outras qualidades negadas pela sociedade "correta". porém, há sim verdade, e isso ninguém é capaz nem passível de criticar, pois é a minha verdade e a de outros também, embora minoria.
a gente fala da vida como se vivesse, e não como se planejasse viver. a gente fala de amor como se amasse e não como se quisesse amar. a gente fala da gente. a gente fala de tudo o que somos e o que estamos em um certo momento.
não, não seremos criticados por isto. não seremos criticados por ser verdadeiros em um determinado momento do dia onde tudo faz sentido. não seremos criticados pela diferença e indiferença do estado de embreaguez.
quem não entender isto, atreva-se a tecer um comentário que preze por um estado de espírito. e apenas um.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

uma frase batida diz tudo o que é bom

uma dona de casa parou de varrer
um moto-taxista não vestiu amarelo
um poeta de rua foi a um restaurante
e a estrela de vênus não se mostrou

um vestido de noiva foi ridicularizado
um buraco do asfalto foi bem tapado
uma ninfomaníaca pediu pinico a um tarado
e as núvens de chuva foram enxugadas

uma rádio não tocou músicas conhecidas
um homem feio pegou todas do bairro
um garoto com aids viveu para sempre
e a esperança foi a primeira a morrer

sexta-feira, 24 de julho de 2009

amantes do porvir

o tempo de culpa e desespero acabou
o que corre não são mais notícias ruins
verdade que nem tão boas, porém esperançosas

almas amantes do porvir nunca resistem
a um dia aqui e outro ali para todo o sempre
almas pisoteadas por cada pingo de chuva
nunca resistem a um bom e velho adeus

quinta-feira, 16 de julho de 2009

os poetas sadios

a pele morna sente cada fio de vento
a fraqueza permite certo deslocamento
só assim o corpo dança ao ritmo da vida
e no seu pior estado encontra a glória

de que tanto falam os poetas sadios

sem compromisso de recuperação
deixa-se voar a mercê da existência
nômade arrastado pela brisa do acaso
sem maiores ou nenhuma reflexão

sexta-feira, 10 de julho de 2009

2º CONTO

OS TERNOS

- Droga de relógio! Que horas são aí?


- Falta meia-hora. Você vai se atrasar.

Quem marcaria uma entrevista de emprego às nove horas da noite? Só mesmo aqueles burocratas, que nem sabem o que fazem, mas exigem tudo de algum chefe de família desesperado, só por um pouco de diversão e prestígio. Àquela hora ele precisava assistir ao jornal na televisão, precisava estar atualizado. O que iriam querer com um empregado mal informado? A noite era muito perigosa naquele lado da cidade, tinha que ficar em casa e tomar conta da mulher e do garoto. Era muita coisa para se fazer à noite, mas até parecia que eles já sabiam disso e tinham feito propositalmente, só para avaliar a capacidade do candidato à vaga.

- Então, vamos logo com essa “janta”, mulher, anda!

- Por que você não come alguma coisa na rua?

- Tá doida?! Quero chegar lá bom de intestino, tenho que causar boa impressão!

Onde já se viu? Ele dando duro para sustentar a família e ela se opunha até a preparar o jantar. O menino já devia estar dormindo, então não queria levar aquela discussão adiante para não acordá-lo e ele começar com aquela choradeira, tudo de novo. Até porque precisava de silêncio para pensar em alguma desculpa para o seu atraso, uma que fosse bem importante, assim ele pareceria mais importante. Problemas no trânsito seria uma boa, mas já estava “manjada” – até parece que eles já não tinham ouvido de tudo. Problemas com a família? Não, iria parecer que não sabia pôr ordem na casa. Bem, iria pensar em alguma coisa no caminho, não dava para se concentrar com fome. A mulher parecia demorar de propósito, só para mostrar que era bem feito ele não ter começado a se arrumar quando ela o alertara.

- Toma, mas come devagar, se não se engasga, e aí é mais problema ainda.

Nem prestou muita atenção no que ela dizia, mesmo porque, se o fizesse, iria acabar em outra briga sem fim, e ele não estava com tempo para isso agora. Só o que tinha que fazer era devorar o arroz com ovo, dá um gole no suco, pegar o terno no guarda-roupa e ir correndo para o ponto de ônibus.

- Vamos, homem, tá atrasado!

- Eu sei, porra!

Se ela já não estivesse acostumada com aquele tipo de arrogância, era capaz de ter caído para trás com aquele tom de voz. O homem saiu de casa ouvindo o choro da criança que acabara de acordar. Não ligou muito, pois já estava saindo mesmo, então resolveu apressar o passo. Chegando ao ponto, olhou para o relógio.

- Droga de relógio, devia ter pegado o dela! E a desgraçada nem pra me lembrar...

Para sua sorte, o ônibus não demorou muito. Subiu, pagou com algumas moedas que tirou do bolso direito da calça junto com algumas balas e sentou-se em uma das cadeiras da frente.

- Que horas são, por favor?

- Dez prás nove.

Já se tinham passado vinte minutos! Culpa daquela mulher que nunca fazia as coisas direito quando se precisava. Agora tinha que se preocupar com a desculpa que ia dar. Iria chegar, no mínimo, uns vinte minutos atrasado, visto que ainda teria que pegar outro ônibus em outro ponto. Problemas no carro será que colaria? Achava que não iriam pedir nada que comprovasse a existência de um carro no seu nome. Eles eram burocratas, mas não se rebaixariam a tanto.

Chegou ao seu ponto e deu sinal. Desceu suspirando de nervoso. Já havia muitas pessoas esperando, então pensou que não demoraria muito.

- Oi, a senhora pode me dizer que horas são?

- Nove e... Cinco... É, nove e cinco.

Já deviam estar estranhando a sua ausência. Nessas empresas se costumava ser muito pontual. Parecia até que nenhum deles tinha outra vida além daquela. Parecia até que moravam ali mesmo, como andróides controlados pelos próprios relógios de pulso: hora de chegar, hora de começar a trabalhar, hora de comer, hora de voltar a trabalhar, hora de sair... Não sabia se daria conta do recado, mas não tinha escolha. Era aquilo ou iria ter que se sujeitar a montar alguma barraquinha no meio da praça – isso não, dava até nojo. Pelo menos o tempo que passaria na empresa era o tempo em que se livraria da choradeira e da gritaria de casa, devia valer a pena. Pegou uma das balas do bolso e pôs na boca; pareceu-lhe mais saboroso do que a comida da mulher.

O ônibus não demorou muito mesmo. Ele subiu e pagou com mais algumas moedas tiradas do bolso esquerdo da calça. Costumava dividir as moedas que levava entre os bolsos, assim elas não se chocariam tanto umas com as outras e o barulho não chamaria tanta atenção – achava ridículo andar cheio de moedas fazendo barulho. Sentou-se na frente.

Então iria ser isso, problemas com o carro? Que fosse, não estava com paciência para ficar pensando em outras coisas, estava muito nervoso. Todo mundo tinha problemas com o carro, isso não iria lhe desvalorizar em relação aos outros candidatos ao emprego; e se desvalorizasse, não iria ser culpa dele, o carro é que dera defeito. Avistou a loja que seu amigo falara e levantou-se para dar o sinal. Era bom que fosse mesmo aquela rua, se não botaria a culpa do atraso no amigo, por não ter dito o nome do local de referência direito.

Desceu do ônibus. A loja era aquela mesmo. Só precisava correr mais um pouco para chegar ao fim do quarteirão e localizar a empresa. As moedas faziam barulho, mas ele tinha que correr; cada segundo era menos crédito com os chefões. Alguém se aproximou.

- Ei, vai parando aí! Passa o relógio e as moedas, rapidinho, rapidinho!

- Pelo amor de Deus, as moedas não, moço! Eu ainda tenho que voltar de ônibus pra casa...

- Problema teu, meu chapa! Quem mandou vacilar aí? Vamos, vamos logo se não eu te mato!

Entregou o relógio sem problema, não estava servindo mesmo, era só enfeite para se apresentar na entrevista. Mas as moedas, só retirou as do bolso direito do terno. Torcia para que as do bolso esquerdo dessem para completar as duas passagens de volta – na pressa, tinha esquecido de dividir igualmente os valores das moedas nos bolsos, como costumava fazer, por precaução. Livrou-se do assaltante, mas ainda precisava se livrar da entrevista.

Já menos nervoso e mais desanimado, chegou no prédio. Não era tão grande e tão luxuoso quanto pensava. Olhando de longe, parecia até um sobrado.

- Por favor, que horas são?

- Nove e meia, senhor.

- Nossa, cheguei mais tarde do que pensava... – pensou. – Eu queria falar com o...

- Desculpe, senhor, mas o expediente já acabou.

- Mas como? Meia-hora não é tanto tempo assim. Eu vim aqui pra entrevista.

- Lamento, senhor, mas as entrevistas de emprego ocorreram pelo turno da manhã.

- ...

Teria ele entendido errado? Nove horas da noite era muito estranho, ele mesmo sabia disso. Nove da manhã era um horário perfeito para uma entrevista de trabalho. Com certeza ele não iria se atrasar, costumava acordar cedo. Mas o que o fizera entender errado? Nove da manhã... Aqueles executivos não queriam mesmo escravizá-lo, estavam apenas sendo convenientes. Via todos aqueles homens deixando o prédio, com passos quase que ensaiados, pareciam ser um só: os sapatos, as pastas, os ternos... Pareciam roupas ambulantes, saindo de uma nave-mãe à procura de não sei o quê. Talvez fossem todos homens sérios mesmo, talvez tenham todos discutido qual seria o melhor horário para a realização das entrevistas dos novos candidatos. Talvez tenham se decepcionado com ele. Tudo por causa de um mal entendido... Queria botar a culpa na mulher, que não o chamara a atenção; no filho, que o desviava a atenção. Só precisava voltar para casa e inventar alguma desculpa para a mulher, que com certeza não deixaria de perguntar por que ele tinha voltado tão cedo – não pretendia se humilhar na frente dela dizendo que se enganara sobre o horário. Havia o caminho todo de volta para pensar no assunto. Ela não era tão inteligente quanto aqueles homens que ali se encontravam, esvaindo-se aos poucos do local; então, acreditaria em qualquer coisa.

Ao sair do prédio, tentou imitar a postura e os passos daqueles homens, para se sentir, ao menos uma vez, um executivo muito importante. Tirou as moedas que restaram do bolso do terno e percebeu que elas só o levariam até a parada intermediária. Por mais que não quisesse, queria estar em casa. Recostou-se em um poste e deslizou até o chão. A luz piscava.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

cada morte

um sorriso forte a cada sorte me falta
e ressalta um par de idéias viciantes
comerciantes só as mantém intactas
como máquinas que só sabem bater

alguns cortes marcam lotes de esperança
com nuança de um verde que não brilha
uma pilha de vivências atrasadas
e cansadas da inexistência de viver

o meu norte a cada morte comparece
não esquece que algo mais sempre faz
logo atrás do vazio que nunca foi construído
porém temido pelo verde do meu ser

quinta-feira, 25 de junho de 2009

faz bem

olhar para o céu sem contar as estrelas faz bem
faz bem sentar na areia da praia e viajar
abraçar qualquer um sem motivo aparente faz bem
faz bem dançar na chuva sem roupa nem vergonha

dormir o dia todo sem nenhuma interrupção faz bem
faz bem prender o ar debaixo d'água por algum tempo
abrir portas e janelas e deixar qualquer coisa entrar faz bem
e faz bem muito tempo que eu não faço nada disso

quinta-feira, 18 de junho de 2009

ignore estas palavras

tirem as crianças da sala
fechem as portas e as janelas
pois o homem mais vivo do mundo
agora percebeu o quanto ordinário é

tapem os ouvidos com mais que mãos
neguem todos os pensamentos estranhos
pois somente ignorá-los é impossível

o ditador das regras da vida e dos tempos
agora percebeu o quão ditado por estas é

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Série Velhos Poemas: LONGE DE MIM

o ar pesa na liberdade por aqui
e enterra meus pés no chão para eu não andar
clamando só por um instante de pura inconsciência
eu sempre volto para longe de tudo

imprevistos da noite ainda me satisfazem
dias cobertos por uma manta desigual
uma maneira facil de se curvar
quando não há vestígios de um sorriso fiel

o ar pesa em meus ombros por aqui
idéias cobertas por uma mente invisível
clamando só por um instante de puro infinito
eu sempre volto para longe de mim

quinta-feira, 4 de junho de 2009

das núvens

ela patina em areia movediça
e chove das núvens sem temer o chão
ela nem pisca quando encara o sol
e dorme na lua um dia sim e outro não

ela voa entre o inferno e a terra
e se chama pelo nome que bem entende
ela sangra mais que as minhas feridas
e acontece mais que o tempo presente

não a conheço, mas nunca a esqueço
ela não existe, mas sempre persiste
eu não a quero, mas sempre a espero
ela não vem, mas não vai mais além

quinta-feira, 28 de maio de 2009

existo logo

eu sou minha queda em crescimento
eu sou tão rápido que mal me sinto
eu sou minha própria fé e esperança
eu sou tão real que nunca deixo de ser
eu sou meu mundo implodido e querido
eu sou tão pálido que ninguém vê
eu sou meu lar, minha vida e minha morte
eu sou tão eu que nem quero mais ser

quinta-feira, 21 de maio de 2009

mancha fria

pessoas sem corpo e pouca voz
marcam presença em casa alheia

nessa ceia há um acento incomum

hóspede desconhecido mas ainda envolvido
manifestando-se em clara mancha fria

energia roubada para fins de comunicação

quinta-feira, 14 de maio de 2009

DIÁLOGO IX

A CIÊNCIA MODERNA DIRIA QUE A VIDA É DIVIDIDA EM PARTES (E A CONTEMPORÂNEA SOMENTE ACRESCENTARIA QUE TAIS PARTES NÃO SÃO IGUAIS)

ultimamente tenho percebido alguma coisa parecida com mudança, só que mais sutil. falo de eventos novos - os quais não vem ao caso citar - que de repente passaram a acontecer sem que houvesse muito alarde. "novos" talvez por motivos outros além da própria qualidade de novo, motivos estes como por exemplo, e principalmente, a "paz" tratada no poema passado, que pode ter me ajudado a pensar tais eventos desse modo.

com certeza os fatos em si são realmente novos, pois nunca ocorreram antes, mas é preciso observar que, durante o tempo em que essa "tranquilidade" não está presente - ou seja, quando tudo mais o está -, talvez ocorram outras coisas que são igualmente novas para mim, porém pouco percebidas como tais. isso tudo devido ao "caos" da vida cotidiana, que nos obriga a selecionar nossa atenção ao que mais precisamos fazer durante aquele determinado momento, fazendo-nos viver com menos intensidade outras coisas da vida, que somente passam.

apesar de tudo isso, ainda posso considerar uma terceira alternativa (comprometo-me a explicar melhor particularmente a quem não conseguiu discriminar as outras duas por culpa da minha incompetência em estruturar o presente texto de modo mais sucinto). talvez esta "paz", "tranquilidade", "quietude", ou seja, este momento por que estou passando na minha vida, não venha do nada. pensando assim, estou considerando que eu somente sou um sujeito passivo na minha própria existência, que vivo de acordo com o que a vida, como uma entidade superior a mim, fornece-me.

mas ao contrário disso, quero dizer que sou sempre um agente ativo na mudança de rumo ou de andamento das coisas, principalmente quando estas coisas dizem respeito especificamente a mim mesmo. talvez este momento tenha sido uma escolha, mesmo que não planejada, mas - e aqui me arrisco a ser contraditório - intencionada. peço que entendam o que quero dizer: intencionada na medida em que caminhei para isso, na medida em que não impedi que isso acontecesse, na medida em que quis que isso acontecesse, embora antes não soubesse que estava querendo.

coisas do inconsciente, quem sabe... por enquanto, prefiro dizer somente que "é a vida". na verdade, nunca vai deixar de ser, e disso todos sabem.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

assim ficar

um tempo vazio me dá certo equilíbrio
pois tropeço ao correr ou mesmo ao caminhar
animações do corpo deslizam e quase nada sobra
quase nada sobra pra contar

parece que a paz dá as caras quando mais se precisa
e freia o mundo ou põe-no em marcha lenta
tão lenta que dá até arrepio
quando se pensa que pode sempre assim ficar

quinta-feira, 30 de abril de 2009

a nossa invasão

minha carne vale tanto quanto nossa condição
plenamente humana para o bem e para o mal
os ex-semelhantes repugnam suas origens
trata-se de vigança por tudo o que representaram
e continuam o fazendo em nós, por nós

não querem o meu poder nem a minha piedade
desejam-me como eles e possuem-me como podem

e como podem...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

tornar-se mar

uma mar de dúzias pra nadar
uma dúzia de nados pra cansar
um nado cansado pra afogar
um cançaso afogado pra matar
um afogamento morto pra acordar
uma morte desperta pra nunca mais ter que pensar no que o que não se tem idéia nem se existe ou não poderia um dia vir a se tornar mar.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

1º CONTO

O LADRÃO DE JÓIAS


Historinha um tanto quanto engraçada e ao mesmo tempo intrigante, a que contam lá pelas bandas do interior. Não tenho informações suficientes para dizer ao certo se o ocorrido foi exatamente como contarei, ou mesmo se é verdade ou somente alguma invenção daquela gente que por lá vive ou passa.

Foi-me contado – e com tanta convicção que me atrevo a passar adiante tal informação – que o enredo se passa em uma pequena cidade do sertão do Ceará. É necessário dizer que não se sabe nem mesmo o nome da cidade – fato que favorece a teoria de uma história inventada, repito. Porém, não me dou o luxo de julgar a veracidade de tal acontecimento, visto que neste mundo acontece de tudo.

Pois bem. Foi-me contado que, em tal cidadezinha, os moradores viviam assustados. Havia pouco mais de um mês que lá houvera começado uma onda de roubos de jóias. Tais jóias, obviamente, eram adquiridas na capital por aqueles que aqui vinham passar as férias e não podiam deixar de saciar seu espírito turístico e vaidoso (no interior também existem essas coisas) ou por gente que não se sentia satisfeita com as oportunidades que encontrava em sua terra e se aventurava em montar um “negócio de capital” (como falavam) em pleno sertão cearense. Enfim, as jóias eram transportadas e vendidas.

Várias casas já haviam sido invadidas e assaltadas. Contaram-me que por lá não se preocupavam muito com segurança – na verdade, em interior algum que pus os pés até hoje era levado a sério tal aspecto. Dentre as moças na flor da idade, desesperadas pela possível "perda irreparável" de seus enfeites, e as donas de casa, que encontravam nas jóias algum refúgio para a própria feminilidade - ao lado de maridos que comiam e dormiam e pediam obediência -, havia uma senhora que se destacava pelo seu espírito “revolucionário” (é assim que chamam os corajosos ou arruaceiros em tal terra, segundo me foi passado).

Senhora de meia-idade, raramente bem-humorada, porém sempre muito ativa, tivera sorte de sua casa ter sido uma das poucas em que o assaltante não agira. Mas isso não era motivo para que não se preocupasse com as lágrimas que deixavam suas amigas, parentes e conhecidas de rosto inchado. Amava a pequena comunidade em que nascera e de onde nunca saíra. Alguns diziam que só metia medo nos outros porque era mãe do delegado da cidade.

- Olha a “sargenta” aí! Num se meta com ela não, que ela manda o filho te prender! – diziam.

A velhota não se importava, mas fazia cara feia para dizer que não pensaria mais de uma vez se fosse preciso agir de tal maneira. E funcionava. Acabou que a velha deu queixa ao filho sobre o que estava acontecendo por ali. O filho, delegado – mais no papel de “filho da sargenta” do que de qualquer outro –, contestava contra a intromissão da mãe:

- Num se meta nessas coisas, mamãe, isso é caso sério! Deixe com a polícia, que sou eu!

Mas não deixava. A velha não parou de atazanar o filho e ainda, como se não bastasse, motivou o resto da população a organizarem um "multirão de protesto" contra os roubos na praça central (e única) da cidade – onde, diga-se de passagem, circulava o maior número de jóias (capital/interior, vendedor/cliente, cliente insatisfeito/novo cliente, etc). A praça lotou e transbordou. Os próprios moradores se espantaram ao ver que naquela terrinha morava tanta gente. Os policiais não poderiam reagir àquela justa manifestação com violência. O jeito foi ceder. O delegado subiu em alguma coisa onde pudesse ver todos abaixo de seu ombro e usou, pela primeira vez, o alto-falante, que era "exclusividade da polícia" (engraçado terem enfatizado este detalhe ao me contarem a história e não saberem nem mesmo o nome da cidade onde tais fatos ocorreram), para organizar o tumulto e falar qualquer coisa em que a autoridade policial fosse posta em evidência.

Para encurtar a história (mesmo porque não me foi passado os pormenores), aconteceu que a população se tornou mais cautelosa, a policia cumpria seu dever – ainda que demonstrando certo desinteresse pelo caso – e os assaltos pararam misteriosamente de acontecer por algum tempo. A paz reinava novamente sobre a minúscula cidade.

A tranquilidade não durou mais de uma semana, quando, notando leve relaxamento da comunidade e da polícia, o assaltante atacou novamente. Desta vez, ousara invadir duas casas em uma só noite. A velha rabugenta, mãe do delegado, mais exaltada do que nunca, foi à casa do filho para arrancar-lhe explicações. Foi-me dito que, no caminho de sua casa para a do delegado, a velha foi aplaudida por algumas mulheres que se inclinavam sobre o parapeito da janela de suas casas, vendo-a passar pela estrada. Mas isso, tenho quase certeza que foi invenção de algum dos intermediários que vieram contando esta história do interior até chegar aos meus ouvidos, talvez para dar mais ênfase ao núcleo aventureiro do enredo (o que, claramente, não funcionou).

O fato é que, ao chegar à casa do filho, a velha foi diretamente até seu quarto, já que não havia crianças nem mulher na casa – por opção do delegado – que pudessem impedir sua entrada brusca por entre a sala e o corredor, sempre com passos gordos e fortes. Ao abrir a porta do quarto do filho, a velha desmaiou e só foi encontrada no começo da estrada que dava para a serra.

O que realmente importa nesta história toda só é dito nestas últimas linhas. Alguns dizem que a velha encontrou o filho morto, assassinado pelo ladrão, e desmaiou. O ladrão, ainda no quarto, teria levado a velha e o corpo do delegado para algum lugar escondido (o que, por lá, teria às sobras), enterrado o corpo e deixado a velha desmaiada pelo caminho. Outros, com um pouco mais de imaginação ou, quem sabe, razão, insistem na versão de que a velha encontrou o filho “descaradamente” dentro de um vestido vermelho, exibindo-se com dezenas de jóias em frente ao espelho. A velha não teria resistido ao choque e desmaiou. O delegado, ao perceber que fora descoberto, teria levado a mãe para algum lugar na estrada e lá a deixou. Depois fugira a fim de não ser pego e ter sua imagem denegrida pelo povo de lá.

A verdade nisso tudo, independente de qualquer história verídica ou inventada por qualquer sertanejo, é que existe uma cidadezinha no interior do Ceará onde mora uma velha louca, mãe de um delegado até hoje desaparecido.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

jujubas

retiro palavras soltas de um pacote de jujubas
ainda pegam os resquícios de doçura e cor dos velhos inquilinos
porém, nada além disso pretendem dizer

aplaudo o salvador do caos, da desconstrução, da estupidez
pois sem ele, nada mais resta do que tudo isso encoberto

o mundo precisa de enganadores
de reveladores de verdades-mentiras transformadas
a bel-prazer, como a liberdade

sexta-feira, 3 de abril de 2009

cumbica

e lá vamos nós
digo eu e minha sombra
que sob a luz do teto
ainda resiste pequena e fraca
quase eu mesmo, quase nada

enfim, lá vou eu
fazer o velho esforço dos compromissados
com a velha disposição dos preguiçosos
cansados, vazios, viajantes e afins

pois bem, pra cutucar alguém
lá vou eu e minha falta de vergonha
na cara e onde quer que ela tente se esconder
rima improvisada, não intencionada
e a pior de todas as estrofes, não por isso

"pode ser que sim
mas pode ser que não
por via das dúvidas
eu vou de Galeão"

quinta-feira, 26 de março de 2009

voltar

mas o que ela fala é desconexo
procuro um norte em seu olhar
e como quem pede desculpa por amar
tento desesperadamente controlar a respiração

mas ela me diz "não"
sento no que antes eram nuvens
finjo um suspiro de quem dá conforto
por nada mais ser passível de recepção

dá-se assim meu despertar
de volta ao largo salão das possibilidades
figuras sinistras escondem algo além delas mesmas
dou um passo e sigo em frente

sexta-feira, 20 de março de 2009

pro além

preciso de um curandeiro
remendador ou canoeiro
eletricista ou sanfoneiro
pra mostrar pro mundo inteiro
como se pára a minha dor

preciso de um médico
de um crente ou cético
pra levar o cheiro fétido
pro além-mar/céu/inferno
que for.

quinta-feira, 12 de março de 2009

mão e não, chão e pão

o tempo amorna, e a qualidade provisória diz porque não é escolhida
mais ou menos mãos, mais ou menos nãos, mas só para quem pôde vivê-los
e a seu momento, cada nota, hora ou brisa justifica o seu valor
quem sabe o paraíso é menos dinâmico, menos surpreendente, menos
para não perder o costume, ainda existe o que lamentar com razão
caso não, ainda há mãos que sustentam ou empurram o fio de sanidade
a cada idade

a cada chão e pão.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Série Velhos Poemas: POR ALGUÉM

pelos que temem, eu digo sim
pelos que choram, eu digo sempre
segredos têm a força própria
da auto-destruição

pelos que rezam, eu digo amém
pelos que amam, eu me calo
por alguém

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

vai kem ké!

a rente junta tudo prá cantá
é só dançá u funk-frevo prá frescá
u vai num é tão besta de fazê
só vai kem ké i só faz se aprendê

u som du funk-frevo é di lascá
arroxa u nó até u dia clariá
a banda marxa até dá calu nu pé
i atrás dela dançandu só vai kem ké

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

fogo e folia

esse trem é bom
tenhamos o poder
de nunca esquecer
o que há por vir

na festa eu caio
e nunca levanto
mesmo sem dizer
nem levar nada

o inferno me chama
com o prazer que só ele dá
na luz do fogo e do pecado
que não quer sair daqui
e nem de lá

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

"meu único amigo é o fim"

abandono-me em alta velocidade
deitado no ar mais poluído que minha mente
e abraçado com tudo o que devo levar

abandono-te devagar e sempre
deitado na cama sem o toque da manhã
e abraçado somente ao corpo que nada é

só deixo a curiosidade do quanto e porquê vivi
e não deixo oportunidade pra você me seguir

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

sabe bem

como quem já sabe que é capaz
sigo o bando de sonhadores até a lua
como quem já sabe que é único
encaro meu olhar a cada decisão
como quem já sabe que é amado
cedo o melhor e não cedo ao pior

danço a qualquer som da natureza
viajo o mundo a cada passo com destreza
sempre vejo e sempre sinto essa tristeza
como quem já sabe que é feliz

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

a dois

tempo molhado
sabor de nuvem na ponta do calçado
boca esponjada
vermelha de sangue e paixão recalcada

debaixo do véu de luz, estamos a salvo
uma vez comprovada a perda de ilusão
a cada segundo mundo afora

um sonho a dois
amor contido
contigo.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

DIÁLOGO VIII

PARA FORA DO PORTÃO EXISTE MAIS QUE UM MUNDÃO

férias sempre é bicho bom. umas mais que outras, é verdade... depende da duração e da diversão, principalmente. depende também da disposição de seja lá quem for que estiver sujeito a elas.
no meu caso, sempre rezo por elas, mas quando chegam, geralmente me ponho a passá-las dentro de casa dormindo ou no computador, argumentando cansaço. é certo que preciso de pelo menos uma semana desse jeito, mas quando as férias são muito curtas, esse é quase todo o tempo que tenho... porém, quando longas, como é o caso destas em que me encontro, sempre corro atrás da diferença, do que não dá pra fazer enquanto estou em aula.
mais em particular ainda, nessas férias estou me esforçando ao máximo contra a indisposição que de vez em quando bate, impedindo-me de mexer um músculo sequer para fora do portão de casa. tenho dado a cara à tapa, a vida à sorte, o pé à estrada... tenho me dado. quando não, tentado. talvez não o bastante, mas certamente mais do que quase sempre.
isso é válido quando se fala de ano novo e vida nova. ainda mais essa... "oh céus, oh vida!", como diria a velha tartaruguinha...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

deixa para o quê?

consigo ver em sua boca
um lar salgado, porém lar
sentindo o quente e o suor
familiar na suposição

pressão
tensão
continuação

na próxima se resolve
ou complica ainda mais
ou fica na cara estampada
a velha certeza do amanhã
sem.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

duende

não é da xuxa, mas puxa,
quão bom é meu duende!
não é verde e é grandão
incomum pra sua espécie

faz-me novo e importante
e também me faz falar
no silêncio que não quer
calar.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

sono ferrado

de onde eu tiro confusão
tem muito mais pra vender
daniela iria gostar pra valer

minha perdição foi o ganha-pão
bem negociado de terceiros
tanto que ninguem haveria de crer

o azar de costume marcou presença
mas dei sorte por intermédio alheio
na fila do banheiro ela veio

nada romântico para um final de ano
mas muito marcante para um dia inteiro