quinta-feira, 30 de abril de 2009

a nossa invasão

minha carne vale tanto quanto nossa condição
plenamente humana para o bem e para o mal
os ex-semelhantes repugnam suas origens
trata-se de vigança por tudo o que representaram
e continuam o fazendo em nós, por nós

não querem o meu poder nem a minha piedade
desejam-me como eles e possuem-me como podem

e como podem...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

tornar-se mar

uma mar de dúzias pra nadar
uma dúzia de nados pra cansar
um nado cansado pra afogar
um cançaso afogado pra matar
um afogamento morto pra acordar
uma morte desperta pra nunca mais ter que pensar no que o que não se tem idéia nem se existe ou não poderia um dia vir a se tornar mar.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

1º CONTO

O LADRÃO DE JÓIAS


Historinha um tanto quanto engraçada e ao mesmo tempo intrigante, a que contam lá pelas bandas do interior. Não tenho informações suficientes para dizer ao certo se o ocorrido foi exatamente como contarei, ou mesmo se é verdade ou somente alguma invenção daquela gente que por lá vive ou passa.

Foi-me contado – e com tanta convicção que me atrevo a passar adiante tal informação – que o enredo se passa em uma pequena cidade do sertão do Ceará. É necessário dizer que não se sabe nem mesmo o nome da cidade – fato que favorece a teoria de uma história inventada, repito. Porém, não me dou o luxo de julgar a veracidade de tal acontecimento, visto que neste mundo acontece de tudo.

Pois bem. Foi-me contado que, em tal cidadezinha, os moradores viviam assustados. Havia pouco mais de um mês que lá houvera começado uma onda de roubos de jóias. Tais jóias, obviamente, eram adquiridas na capital por aqueles que aqui vinham passar as férias e não podiam deixar de saciar seu espírito turístico e vaidoso (no interior também existem essas coisas) ou por gente que não se sentia satisfeita com as oportunidades que encontrava em sua terra e se aventurava em montar um “negócio de capital” (como falavam) em pleno sertão cearense. Enfim, as jóias eram transportadas e vendidas.

Várias casas já haviam sido invadidas e assaltadas. Contaram-me que por lá não se preocupavam muito com segurança – na verdade, em interior algum que pus os pés até hoje era levado a sério tal aspecto. Dentre as moças na flor da idade, desesperadas pela possível "perda irreparável" de seus enfeites, e as donas de casa, que encontravam nas jóias algum refúgio para a própria feminilidade - ao lado de maridos que comiam e dormiam e pediam obediência -, havia uma senhora que se destacava pelo seu espírito “revolucionário” (é assim que chamam os corajosos ou arruaceiros em tal terra, segundo me foi passado).

Senhora de meia-idade, raramente bem-humorada, porém sempre muito ativa, tivera sorte de sua casa ter sido uma das poucas em que o assaltante não agira. Mas isso não era motivo para que não se preocupasse com as lágrimas que deixavam suas amigas, parentes e conhecidas de rosto inchado. Amava a pequena comunidade em que nascera e de onde nunca saíra. Alguns diziam que só metia medo nos outros porque era mãe do delegado da cidade.

- Olha a “sargenta” aí! Num se meta com ela não, que ela manda o filho te prender! – diziam.

A velhota não se importava, mas fazia cara feia para dizer que não pensaria mais de uma vez se fosse preciso agir de tal maneira. E funcionava. Acabou que a velha deu queixa ao filho sobre o que estava acontecendo por ali. O filho, delegado – mais no papel de “filho da sargenta” do que de qualquer outro –, contestava contra a intromissão da mãe:

- Num se meta nessas coisas, mamãe, isso é caso sério! Deixe com a polícia, que sou eu!

Mas não deixava. A velha não parou de atazanar o filho e ainda, como se não bastasse, motivou o resto da população a organizarem um "multirão de protesto" contra os roubos na praça central (e única) da cidade – onde, diga-se de passagem, circulava o maior número de jóias (capital/interior, vendedor/cliente, cliente insatisfeito/novo cliente, etc). A praça lotou e transbordou. Os próprios moradores se espantaram ao ver que naquela terrinha morava tanta gente. Os policiais não poderiam reagir àquela justa manifestação com violência. O jeito foi ceder. O delegado subiu em alguma coisa onde pudesse ver todos abaixo de seu ombro e usou, pela primeira vez, o alto-falante, que era "exclusividade da polícia" (engraçado terem enfatizado este detalhe ao me contarem a história e não saberem nem mesmo o nome da cidade onde tais fatos ocorreram), para organizar o tumulto e falar qualquer coisa em que a autoridade policial fosse posta em evidência.

Para encurtar a história (mesmo porque não me foi passado os pormenores), aconteceu que a população se tornou mais cautelosa, a policia cumpria seu dever – ainda que demonstrando certo desinteresse pelo caso – e os assaltos pararam misteriosamente de acontecer por algum tempo. A paz reinava novamente sobre a minúscula cidade.

A tranquilidade não durou mais de uma semana, quando, notando leve relaxamento da comunidade e da polícia, o assaltante atacou novamente. Desta vez, ousara invadir duas casas em uma só noite. A velha rabugenta, mãe do delegado, mais exaltada do que nunca, foi à casa do filho para arrancar-lhe explicações. Foi-me dito que, no caminho de sua casa para a do delegado, a velha foi aplaudida por algumas mulheres que se inclinavam sobre o parapeito da janela de suas casas, vendo-a passar pela estrada. Mas isso, tenho quase certeza que foi invenção de algum dos intermediários que vieram contando esta história do interior até chegar aos meus ouvidos, talvez para dar mais ênfase ao núcleo aventureiro do enredo (o que, claramente, não funcionou).

O fato é que, ao chegar à casa do filho, a velha foi diretamente até seu quarto, já que não havia crianças nem mulher na casa – por opção do delegado – que pudessem impedir sua entrada brusca por entre a sala e o corredor, sempre com passos gordos e fortes. Ao abrir a porta do quarto do filho, a velha desmaiou e só foi encontrada no começo da estrada que dava para a serra.

O que realmente importa nesta história toda só é dito nestas últimas linhas. Alguns dizem que a velha encontrou o filho morto, assassinado pelo ladrão, e desmaiou. O ladrão, ainda no quarto, teria levado a velha e o corpo do delegado para algum lugar escondido (o que, por lá, teria às sobras), enterrado o corpo e deixado a velha desmaiada pelo caminho. Outros, com um pouco mais de imaginação ou, quem sabe, razão, insistem na versão de que a velha encontrou o filho “descaradamente” dentro de um vestido vermelho, exibindo-se com dezenas de jóias em frente ao espelho. A velha não teria resistido ao choque e desmaiou. O delegado, ao perceber que fora descoberto, teria levado a mãe para algum lugar na estrada e lá a deixou. Depois fugira a fim de não ser pego e ter sua imagem denegrida pelo povo de lá.

A verdade nisso tudo, independente de qualquer história verídica ou inventada por qualquer sertanejo, é que existe uma cidadezinha no interior do Ceará onde mora uma velha louca, mãe de um delegado até hoje desaparecido.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

jujubas

retiro palavras soltas de um pacote de jujubas
ainda pegam os resquícios de doçura e cor dos velhos inquilinos
porém, nada além disso pretendem dizer

aplaudo o salvador do caos, da desconstrução, da estupidez
pois sem ele, nada mais resta do que tudo isso encoberto

o mundo precisa de enganadores
de reveladores de verdades-mentiras transformadas
a bel-prazer, como a liberdade

sexta-feira, 3 de abril de 2009

cumbica

e lá vamos nós
digo eu e minha sombra
que sob a luz do teto
ainda resiste pequena e fraca
quase eu mesmo, quase nada

enfim, lá vou eu
fazer o velho esforço dos compromissados
com a velha disposição dos preguiçosos
cansados, vazios, viajantes e afins

pois bem, pra cutucar alguém
lá vou eu e minha falta de vergonha
na cara e onde quer que ela tente se esconder
rima improvisada, não intencionada
e a pior de todas as estrofes, não por isso

"pode ser que sim
mas pode ser que não
por via das dúvidas
eu vou de Galeão"