quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

4º CONTO

UM HERÓI

Um barulho! Sim, tinha certeza que acabara de escutar um barulho vindo da varanda. Mas não havia ninguém em casa, ninguém além dele e de sua insônia, que o perseguia desde o começo do mês.

Já se acostumara a não dormir. Os olhos pareciam esmurrados no espelho, mas eram só olheiras. Conversava e se divertia muito enquanto acordado, mas não sabia ao certo com quem. Ficava pensando em como seria se aquela linda mulher da fila do banco olhasse para ele de um modo que não fosse comum. Iria diverti-la e fazer com que ela pensasse que os momentos não poderiam ser melhores com ele e piores sem. Só assim pegava no sono e podia se livrar logo de si mesmo; ou então, não pensava em nada e tentava dormir na marra. Em vão.

Mas aquele barulho o animara. Agora tinha alguma ocupação enquanto o desejado sono não vinha. Não era todo dia que acontecia algo estranho por ali. E um barulho vindo da varanda – sim, tinha certeza – era uma coisa muito estranha para àquela hora da madrugada. Poderia ser algum ladrão tentando quebrar o cadeado do portão da varanda com algum martelo ou coisa do gênero. Um pensamento involuntário e repentino veio à sua mente: e se fosse só o vento? Que tolice! Por ali não havia ventos com força o bastante para causar um barulho daquele. Sim, não havia dúvida. Alguém estava tentado invadir sua casa, e ele não podia nem queria permitir isso. A mulher do banco ficaria orgulhosa se ele fizesse algo que provasse sua coragem e seu amor por ela.

Levantou-se vagarosamente, aproveitando cada momento em que seu corpo imitava ao de um herói cauteloso, ciente do perigo que o aguardava. Pé ante pé, locomovia-se felinamente. Ouvidos atentos para detectar mais outro possível barulho, por menor que fosse – um rangido de porta ou passos no chão, não importava. Estava pronto. Chegou à porta da sala, que dava direto para a varanda, esticou o braço para abri-la, vacilou. Não queria dar de cara com o inimigo, poderia ser muito perigoso. Não sabia do que se tratava. O invasor podia estar armado ou estar com mais alguém, um ajudante. Não queria pôr em risco a vida da mulher da fila do banco, sua amada. Com passadas longas e rápidas, porém silenciosas, chegou à janela.

Precisava abrir as venezianas sem fazer barulho; já havia barulho demais por ali, iria deixar isso por conta dos ladrões. Ele só observava. O ferrolho que mantinha as venezianas erguidas estava meio enferrujado, não seria uma boa idéia tentar puxá-lo. Suava frio enquanto pensava em onde os invasores poderiam estar. E se tivessem entrado pelos fundos e já estivessem dentro da casa? Arrepiou-se. Não podia sentir medo, pois a mulher do banco o observava, confiava nele. Mesmo com o olhar de exigência e quase imploração por algum ato de bravura, como se ela duvidasse de sua capacidade, ele sabia que era só capricho ou carência de mulher. Num gesto raivoso e decidido, puxou o ferrolho com rapidez e a madeira estalou. Tentava colocar os olhos arregalados entre as venezianas a fim de assustar quem estivesse lá fora. Mas não via ninguém.

A mulher da fila do banco encarava-o aparentemente assustada, esperando alguma reação do seu bravo homem, a quem escolhera para viver para sempre. Ele não podia decepcioná-la, não estava ali para isso. A casa era sua e ninguém entraria sem a devida permissão. Tinha que dizer isso em voz alta, assim ela se acalmaria e o abraçaria, mas preferiu ficar calado e transmitir alguma expressão de confiança para poder ver o sorriso desconcertado da bela mulher debaixo de sobrancelhas mortas e pupilas afogadas em lágrimas de orgulho.

Encontrou-se ainda à janela. Tranqüilidade lá fora. O barulho nem mesmo parecia ter acontecido. Mas não restava dúvida, tinha ouvido algo de estranho vindo da varanda e precisava descobrir do que se originara.

Depois de mais algum tempo parado, olhando para o céu através das venezianas, distraiu-se com a lua, com as nuvens avermelhadas e com as estrelas que brilhavam aleatoriamente. Resolveu voltar para a cama. Se ouvisse mais alguma coisa, voltaria correndo e muito zangado. Rosnou algo parecido com isso a uma altura suficiente para ser entendido e sentiu o forte abraço de sua amada.

Deitou-se. A insônia ainda estava presente, evidente. A mulher da fila do banco estava ao seu lado, e ele passaria a noite em claro, se preciso, somente para protegê-la. Mantinha-se acordado e já não pensava em mais nada. A mulher do banco estava em algum lugar, longe. Não conseguia dormir. Dessa vez, por medo.

7 comentários:

Marcella disse...

Gostei.
Na verdade, gostei mais do conto do que de muita poesia. Nem é pq eu tow com insonia...

Beijos

CA Ribeiro Neto disse...

Beçote, Temos mais dois novos integrantes do Blogs de Quinta. São esses:

Marília Maia - http://ninhomaia.blogspot.com/
Fabio Paulino - http://minhacoreblues.blogspot.com


Adcionem e dêem as boas-vindas!

Mehazael disse...

Uma vez mais, digo que gosto mais dos teus contos do que das tuas poesias. Acho que os teus contos só precisam de uma revisãozinha para ficarem perfeitos. Esse aí gostei muito, ainda mais do final. A única coisa que me incomodou um pouco é toda a hora "a mulher da fila do banco". Entendo o efeito de repetição, a questão do barulho e da insônia, mas e um termo muito grande e muito repetitivo. Mas fora isso (que, convenhamos, é uma reclamação de quem é chato :P) tá ótimo.
Abração!

Hermes disse...

A tua poesia engraçada era boa também, por isso que não vou falar que prefiro os contes. Esse não tá ruim de ler, mas não entendi, como muitas poesias. A mulher da fila do banco às vezes ta perto, outras tá longe, isso é tenso. Acho que voei. Só que não preciso entender não, para gosta.r xD

CA Ribeiro Neto disse...

Eu já manifestei diversas vezes gostar mais dos contos do que das tuas poesias, se eu fosse dono de uma editora, e espero um dia ser, eu publico um livro de contos teu. Mas tem que ser de contos! heurheurheurheuh

Quanto à mulher, não sei porque, eu sempre imaginei ela longe, e quando ela estava "perto" é pela mente pertubada dele mesmo!

ótimo conto, mah! Num vai comentar no meu blog nao, po! heurhurheuh

Unknown disse...

"Um herói": interessante o título. Na maioria das vezes, um herói é assim chamado porque o admintem como tal, às vezes é porque o próprio "herói" se considera assim. Parece que o cara aí se inclui nos dois casos. Me parece um cara que quer sempre ouvir aquela famosa frase "Ó, meu herói!".

Abração, cara, e ótimas festas. Que você se garanta em 2010! hehehe. Valeu!

Hermes disse...

Trova vem do trovadorismo, é poema mesmo, só que era sempre acompanhada por um instrumento, principalmente de corda. É uma "canção"