quinta-feira, 24 de junho de 2010

menina-flor

o monstro desajeitado é só um estranho qualquer
a evidente fealdade não impede um puro convite
o primeiro sorriso é fácil pra quem nasce da loucura
em inocentes lições sobre a beleza de coisas simples

a pureza da ingenuidade traz lamentáveis suposições
na mais bela metáfora encontra-se o mais triste fim
a realidade física do mundo faz-se novamente impiedosa
e põe medo em um novo ser construído de todos nós

quinta-feira, 17 de junho de 2010

graça

poda a sobra de tempo da vida
para caber a beleza escondida
em sete palmos de terra batida
que qualquer um pode cavar

enquanto a lágrima de sua querida
se orgulha por não ser escorrida
mesmo estando sempre munida
de tantos bens que não soube amar

depois de anos de graça falida
deparou-se com a riqueza perdida
ao passo da última dor sentida
que não fez questão de acalentar

quinta-feira, 10 de junho de 2010

6º CONTO

UM NOVO HOMEM

Arrumava-se em frente ao espelho como quem sentia algo tão forte a ponto de a face não conseguir transparecer e, por isso, continuasse intacta. Quem o observasse não reconheceria ninguém, nem mesmo aquele ser que outrora expelia seus sentimentos de tal forma que nem o próprio se julgava capaz.

Ainda havia pistas da recente mudança: a mala entreaberta sobre a cama, as cortinas fechadas em plena noite, o aparelho de som esquecido no sofá da sala... Abotoava a nova camisa branca na qual pretendia derramar vinho tinto e o vômito de quem quer que fosse. O espelho, provisoriamente no chão e encostado à parede, assistia à cena onde ele escondia tudo, menos sua decisão. Era só agir de acordo com seu instinto puramente humano.

Olhava com desprezo e ironia para o reflexo dos velhos sapatos, condenados a um canto escuro e solitário onde as baratas pudessem fazê-lo de moradia. Sobre eles, tivera vivido acontecimentos dos quais queria lembrar para não esquecer de sua promessa. Os novos calçados eram recém comprados, e não há muito o que se falar sobre eles, senão que eram pretos e cheirosos.

Os fatos que o levaram até ali encontravam abrigo para seus resquícios nos olhos de quem os vivenciara. Assim como os sapatos, o terno cinza novo tivera sido comprado poucas horas antes, quando decidira se mudar de vez para o apartamento. Vestia-o como quem vestisse uma capa para esconder-se ou vangloriar-se em frente aos demais – era mais ou menos isso o que planejava.

Estendeu a mão calmamente para pegar a gravata que estivera repousando sobre a cabeceira da cama. Era de um tom prateado com listras pretas e cor de vinho que cortavam-na diagonalmente, perfeitamente. Enquanto dava o nó, pensou na decisão que tomara e tentou descobrir alguma coisa importante de que precisaria abrir mão, mas não encontrou. Era mesmo o que queria. Estando certo ou não, precisava daquilo para sobreviver sozinho ou entre qualquer roda de amigos ou de inimigos, o que, deveras, dava no mesmo.

Ao terminar de se vestir, virou o corpo discretamente para ambos os lados, mantendo a cabeça voltada para o espelho a fim de notar se estava bem apresentável. Afinal, este era o primeiro passo para ser como o resto dos homens. Pronto, estava pronto.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

preto & branco

a atmosfera bicolor de tempos remotos me desperta
para um olhar receptivo aos segredos fundamentais
onde um truque de luzes e filtros constroi o irreal
e toda escadaria pede um movimento para o alto

uma beleza estética nunca foi de todo mal
registros sobrepostos criam crenças momentâneas
que se dizem tão eternas que só vivem nas lembranças
dos que enxergam o todo em cada parte viva

um perfeito arcoíris não precisa de sete cores
pois cada uma tem sua forma de amor ao mundo
e nenhuma delas diz mais nada quando enfeites
pois só sentem que afetam quando artes por si só