quinta-feira, 30 de julho de 2009

uma frase batida diz tudo o que é bom

uma dona de casa parou de varrer
um moto-taxista não vestiu amarelo
um poeta de rua foi a um restaurante
e a estrela de vênus não se mostrou

um vestido de noiva foi ridicularizado
um buraco do asfalto foi bem tapado
uma ninfomaníaca pediu pinico a um tarado
e as núvens de chuva foram enxugadas

uma rádio não tocou músicas conhecidas
um homem feio pegou todas do bairro
um garoto com aids viveu para sempre
e a esperança foi a primeira a morrer

sexta-feira, 24 de julho de 2009

amantes do porvir

o tempo de culpa e desespero acabou
o que corre não são mais notícias ruins
verdade que nem tão boas, porém esperançosas

almas amantes do porvir nunca resistem
a um dia aqui e outro ali para todo o sempre
almas pisoteadas por cada pingo de chuva
nunca resistem a um bom e velho adeus

quinta-feira, 16 de julho de 2009

os poetas sadios

a pele morna sente cada fio de vento
a fraqueza permite certo deslocamento
só assim o corpo dança ao ritmo da vida
e no seu pior estado encontra a glória

de que tanto falam os poetas sadios

sem compromisso de recuperação
deixa-se voar a mercê da existência
nômade arrastado pela brisa do acaso
sem maiores ou nenhuma reflexão

sexta-feira, 10 de julho de 2009

2º CONTO

OS TERNOS

- Droga de relógio! Que horas são aí?


- Falta meia-hora. Você vai se atrasar.

Quem marcaria uma entrevista de emprego às nove horas da noite? Só mesmo aqueles burocratas, que nem sabem o que fazem, mas exigem tudo de algum chefe de família desesperado, só por um pouco de diversão e prestígio. Àquela hora ele precisava assistir ao jornal na televisão, precisava estar atualizado. O que iriam querer com um empregado mal informado? A noite era muito perigosa naquele lado da cidade, tinha que ficar em casa e tomar conta da mulher e do garoto. Era muita coisa para se fazer à noite, mas até parecia que eles já sabiam disso e tinham feito propositalmente, só para avaliar a capacidade do candidato à vaga.

- Então, vamos logo com essa “janta”, mulher, anda!

- Por que você não come alguma coisa na rua?

- Tá doida?! Quero chegar lá bom de intestino, tenho que causar boa impressão!

Onde já se viu? Ele dando duro para sustentar a família e ela se opunha até a preparar o jantar. O menino já devia estar dormindo, então não queria levar aquela discussão adiante para não acordá-lo e ele começar com aquela choradeira, tudo de novo. Até porque precisava de silêncio para pensar em alguma desculpa para o seu atraso, uma que fosse bem importante, assim ele pareceria mais importante. Problemas no trânsito seria uma boa, mas já estava “manjada” – até parece que eles já não tinham ouvido de tudo. Problemas com a família? Não, iria parecer que não sabia pôr ordem na casa. Bem, iria pensar em alguma coisa no caminho, não dava para se concentrar com fome. A mulher parecia demorar de propósito, só para mostrar que era bem feito ele não ter começado a se arrumar quando ela o alertara.

- Toma, mas come devagar, se não se engasga, e aí é mais problema ainda.

Nem prestou muita atenção no que ela dizia, mesmo porque, se o fizesse, iria acabar em outra briga sem fim, e ele não estava com tempo para isso agora. Só o que tinha que fazer era devorar o arroz com ovo, dá um gole no suco, pegar o terno no guarda-roupa e ir correndo para o ponto de ônibus.

- Vamos, homem, tá atrasado!

- Eu sei, porra!

Se ela já não estivesse acostumada com aquele tipo de arrogância, era capaz de ter caído para trás com aquele tom de voz. O homem saiu de casa ouvindo o choro da criança que acabara de acordar. Não ligou muito, pois já estava saindo mesmo, então resolveu apressar o passo. Chegando ao ponto, olhou para o relógio.

- Droga de relógio, devia ter pegado o dela! E a desgraçada nem pra me lembrar...

Para sua sorte, o ônibus não demorou muito. Subiu, pagou com algumas moedas que tirou do bolso direito da calça junto com algumas balas e sentou-se em uma das cadeiras da frente.

- Que horas são, por favor?

- Dez prás nove.

Já se tinham passado vinte minutos! Culpa daquela mulher que nunca fazia as coisas direito quando se precisava. Agora tinha que se preocupar com a desculpa que ia dar. Iria chegar, no mínimo, uns vinte minutos atrasado, visto que ainda teria que pegar outro ônibus em outro ponto. Problemas no carro será que colaria? Achava que não iriam pedir nada que comprovasse a existência de um carro no seu nome. Eles eram burocratas, mas não se rebaixariam a tanto.

Chegou ao seu ponto e deu sinal. Desceu suspirando de nervoso. Já havia muitas pessoas esperando, então pensou que não demoraria muito.

- Oi, a senhora pode me dizer que horas são?

- Nove e... Cinco... É, nove e cinco.

Já deviam estar estranhando a sua ausência. Nessas empresas se costumava ser muito pontual. Parecia até que nenhum deles tinha outra vida além daquela. Parecia até que moravam ali mesmo, como andróides controlados pelos próprios relógios de pulso: hora de chegar, hora de começar a trabalhar, hora de comer, hora de voltar a trabalhar, hora de sair... Não sabia se daria conta do recado, mas não tinha escolha. Era aquilo ou iria ter que se sujeitar a montar alguma barraquinha no meio da praça – isso não, dava até nojo. Pelo menos o tempo que passaria na empresa era o tempo em que se livraria da choradeira e da gritaria de casa, devia valer a pena. Pegou uma das balas do bolso e pôs na boca; pareceu-lhe mais saboroso do que a comida da mulher.

O ônibus não demorou muito mesmo. Ele subiu e pagou com mais algumas moedas tiradas do bolso esquerdo da calça. Costumava dividir as moedas que levava entre os bolsos, assim elas não se chocariam tanto umas com as outras e o barulho não chamaria tanta atenção – achava ridículo andar cheio de moedas fazendo barulho. Sentou-se na frente.

Então iria ser isso, problemas com o carro? Que fosse, não estava com paciência para ficar pensando em outras coisas, estava muito nervoso. Todo mundo tinha problemas com o carro, isso não iria lhe desvalorizar em relação aos outros candidatos ao emprego; e se desvalorizasse, não iria ser culpa dele, o carro é que dera defeito. Avistou a loja que seu amigo falara e levantou-se para dar o sinal. Era bom que fosse mesmo aquela rua, se não botaria a culpa do atraso no amigo, por não ter dito o nome do local de referência direito.

Desceu do ônibus. A loja era aquela mesmo. Só precisava correr mais um pouco para chegar ao fim do quarteirão e localizar a empresa. As moedas faziam barulho, mas ele tinha que correr; cada segundo era menos crédito com os chefões. Alguém se aproximou.

- Ei, vai parando aí! Passa o relógio e as moedas, rapidinho, rapidinho!

- Pelo amor de Deus, as moedas não, moço! Eu ainda tenho que voltar de ônibus pra casa...

- Problema teu, meu chapa! Quem mandou vacilar aí? Vamos, vamos logo se não eu te mato!

Entregou o relógio sem problema, não estava servindo mesmo, era só enfeite para se apresentar na entrevista. Mas as moedas, só retirou as do bolso direito do terno. Torcia para que as do bolso esquerdo dessem para completar as duas passagens de volta – na pressa, tinha esquecido de dividir igualmente os valores das moedas nos bolsos, como costumava fazer, por precaução. Livrou-se do assaltante, mas ainda precisava se livrar da entrevista.

Já menos nervoso e mais desanimado, chegou no prédio. Não era tão grande e tão luxuoso quanto pensava. Olhando de longe, parecia até um sobrado.

- Por favor, que horas são?

- Nove e meia, senhor.

- Nossa, cheguei mais tarde do que pensava... – pensou. – Eu queria falar com o...

- Desculpe, senhor, mas o expediente já acabou.

- Mas como? Meia-hora não é tanto tempo assim. Eu vim aqui pra entrevista.

- Lamento, senhor, mas as entrevistas de emprego ocorreram pelo turno da manhã.

- ...

Teria ele entendido errado? Nove horas da noite era muito estranho, ele mesmo sabia disso. Nove da manhã era um horário perfeito para uma entrevista de trabalho. Com certeza ele não iria se atrasar, costumava acordar cedo. Mas o que o fizera entender errado? Nove da manhã... Aqueles executivos não queriam mesmo escravizá-lo, estavam apenas sendo convenientes. Via todos aqueles homens deixando o prédio, com passos quase que ensaiados, pareciam ser um só: os sapatos, as pastas, os ternos... Pareciam roupas ambulantes, saindo de uma nave-mãe à procura de não sei o quê. Talvez fossem todos homens sérios mesmo, talvez tenham todos discutido qual seria o melhor horário para a realização das entrevistas dos novos candidatos. Talvez tenham se decepcionado com ele. Tudo por causa de um mal entendido... Queria botar a culpa na mulher, que não o chamara a atenção; no filho, que o desviava a atenção. Só precisava voltar para casa e inventar alguma desculpa para a mulher, que com certeza não deixaria de perguntar por que ele tinha voltado tão cedo – não pretendia se humilhar na frente dela dizendo que se enganara sobre o horário. Havia o caminho todo de volta para pensar no assunto. Ela não era tão inteligente quanto aqueles homens que ali se encontravam, esvaindo-se aos poucos do local; então, acreditaria em qualquer coisa.

Ao sair do prédio, tentou imitar a postura e os passos daqueles homens, para se sentir, ao menos uma vez, um executivo muito importante. Tirou as moedas que restaram do bolso do terno e percebeu que elas só o levariam até a parada intermediária. Por mais que não quisesse, queria estar em casa. Recostou-se em um poste e deslizou até o chão. A luz piscava.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

cada morte

um sorriso forte a cada sorte me falta
e ressalta um par de idéias viciantes
comerciantes só as mantém intactas
como máquinas que só sabem bater

alguns cortes marcam lotes de esperança
com nuança de um verde que não brilha
uma pilha de vivências atrasadas
e cansadas da inexistência de viver

o meu norte a cada morte comparece
não esquece que algo mais sempre faz
logo atrás do vazio que nunca foi construído
porém temido pelo verde do meu ser