quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Série Velhos Poemas: ONZE TEMPOS

milênios

com um simples corte transversal sobre o crânio
poderia afastar o teto de espinhos
mas de repente só pensava em empacotar o coração e jogá-lo ao mar
onde ninguém sequer o tocaria por milênios



séculos

a transpiração não molha a pele
tampouco as lágrimas borram a vista

da tinta que escorre sobre séculos de espera
obedecendo compulsivamente a cronologia
sob forma de lágrimas e suor e lágrimas



décadas

dúvidas não batem à porta mas entram pela janela

já se sabe que há décadas se guardam olhos na nuca
tão forçado a esquecê-los que nem os merecem

tão perfeitos por inteiro



anos

a insistência dura anos com desfechos semelhantes
com as retinas sob pálpebras sob vendas
faço malabarismo com ovos



meses

os meses molhados rastejam pelo barro intocável
vagarosamente

imprevistos do pássaro rodeiam o ninho imutável
mensalmente



semanas

ser o porquê dos planos falíveis
ter o motivo qualquer requerido por velhos sonhos
querer poder tentar salvar
as semanas não diluídas em mente



dias

não é aconselhável relutar nem fingir
ou os eternos dias de gritos de espera
não valerão nem as cicatrizes

dos dias futuros



horas

embora as horas ponham-se em volta dos ponteiros
por mais de uma vez

já é passado o tempo de decisão
e qualquer outro



minutos

não pelo fim da angústia
nem mesmo pelo caos
presente nos minutos derradeiros

em que os antigos espíritos renovados
já vestem saia e paletó



segundos

tentando quebrar vidros o bastante para dizer
ao tempo em que os cristais brilham com fome de libertação
carregando a eterna culpa por não fazê-lo especial
a cada ruído que o relógio anuncia a perda de mais um dos segundos

sim querida
que ao menos pudesse ser decisivo sim



milésimos

digerindo a fórmula do viver milênios em milésimos
e distanciados pelos últimos e breves instantes tão somente

antes do nirvana e conseqüente apoplexia

6 comentários:

marilia disse...

Estou de :o (boquiaberta), fantástico... senti o tempo passar diante dos meus olhos...

e detalhe: começou com "Milênios" e terminou com "Milésimos".
Mil anos longe, onde o tempo seria sua principal companhia, ainda mais quando você diz:"onde ninguém sequer o tocaria por milênios"
E Mil segundos perto: quando o tempo passa bem mais despercebido diante de seus olhos...

;)
Beijão...
Essa ai eu gostei...
Viajei com o tempo... e não no tempo!

Pedro Gurgel disse...

Macho!

Fiquei sem palavras! Minhas palavras se perderam com o e no tempo!

"faço malabarismo com ovos" (muito boa essa!)


"não é aconselhável relutar nem fingir
ou os eternos dias de gritos de espera
não valerão nem as cicatrizes

dos dias futuros" (Essa aqui foi MUUUUITO BOA!)


Poesia CHIBATA!!

CA Ribeiro Neto disse...

Cabeça, mais um membro do Blog's de Quinta:

Herbenia Ribeiro - www.nabuscadeumaaprendizagem.blogspot.com/


Adcionem.

Paulo Henrique Passos disse...

Esse tema "tempo" me atrai bastante, e se ele é tão cogitado por nós humanos, esses teus versos deixaram ainda mais complexa a questão do tempo - pelo menos pra mim, mas...

mas gostei dos versos referentes aos segundos.

E aquele lá da minha história num sou eu não mah, pelo menos não foi pensando em nada que me aconteceu ou no meu futuro que escrevi aquela história. Talvez no que sinto.

CA Ribeiro Neto disse...

Cara, realmente está muito boa, essa.

Eu também destaco a que o Pedro destacou.

Acho que essa poesia ficaria muito massa sendo declamada em um sarau. Quem sabe um dia eu não a declame... Quem sabe você...

Jéssica de Sousa disse...

Adorei, de verdade
e olhe que eu não sou fã de poesia =D