quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

do avesso

um segundo vira os planos do avesso
um travesso momentinho do capeta
faz careta pra assustar com a mesma arma
mas seu carma vem na forma do meu mundo

tripulias meticulosamente inventadas
e contadas como verdade se o caso for
de por em evidência uma velha falha
em que a malha se dá de acordo com as folias

por fim um grande alívio ao perceber
que não ceder pode ser uma opção
em vez de não segurar a velha ponta
que remonta ao grande ato que é de mim

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

4º CONTO

UM HERÓI

Um barulho! Sim, tinha certeza que acabara de escutar um barulho vindo da varanda. Mas não havia ninguém em casa, ninguém além dele e de sua insônia, que o perseguia desde o começo do mês.

Já se acostumara a não dormir. Os olhos pareciam esmurrados no espelho, mas eram só olheiras. Conversava e se divertia muito enquanto acordado, mas não sabia ao certo com quem. Ficava pensando em como seria se aquela linda mulher da fila do banco olhasse para ele de um modo que não fosse comum. Iria diverti-la e fazer com que ela pensasse que os momentos não poderiam ser melhores com ele e piores sem. Só assim pegava no sono e podia se livrar logo de si mesmo; ou então, não pensava em nada e tentava dormir na marra. Em vão.

Mas aquele barulho o animara. Agora tinha alguma ocupação enquanto o desejado sono não vinha. Não era todo dia que acontecia algo estranho por ali. E um barulho vindo da varanda – sim, tinha certeza – era uma coisa muito estranha para àquela hora da madrugada. Poderia ser algum ladrão tentando quebrar o cadeado do portão da varanda com algum martelo ou coisa do gênero. Um pensamento involuntário e repentino veio à sua mente: e se fosse só o vento? Que tolice! Por ali não havia ventos com força o bastante para causar um barulho daquele. Sim, não havia dúvida. Alguém estava tentado invadir sua casa, e ele não podia nem queria permitir isso. A mulher do banco ficaria orgulhosa se ele fizesse algo que provasse sua coragem e seu amor por ela.

Levantou-se vagarosamente, aproveitando cada momento em que seu corpo imitava ao de um herói cauteloso, ciente do perigo que o aguardava. Pé ante pé, locomovia-se felinamente. Ouvidos atentos para detectar mais outro possível barulho, por menor que fosse – um rangido de porta ou passos no chão, não importava. Estava pronto. Chegou à porta da sala, que dava direto para a varanda, esticou o braço para abri-la, vacilou. Não queria dar de cara com o inimigo, poderia ser muito perigoso. Não sabia do que se tratava. O invasor podia estar armado ou estar com mais alguém, um ajudante. Não queria pôr em risco a vida da mulher da fila do banco, sua amada. Com passadas longas e rápidas, porém silenciosas, chegou à janela.

Precisava abrir as venezianas sem fazer barulho; já havia barulho demais por ali, iria deixar isso por conta dos ladrões. Ele só observava. O ferrolho que mantinha as venezianas erguidas estava meio enferrujado, não seria uma boa idéia tentar puxá-lo. Suava frio enquanto pensava em onde os invasores poderiam estar. E se tivessem entrado pelos fundos e já estivessem dentro da casa? Arrepiou-se. Não podia sentir medo, pois a mulher do banco o observava, confiava nele. Mesmo com o olhar de exigência e quase imploração por algum ato de bravura, como se ela duvidasse de sua capacidade, ele sabia que era só capricho ou carência de mulher. Num gesto raivoso e decidido, puxou o ferrolho com rapidez e a madeira estalou. Tentava colocar os olhos arregalados entre as venezianas a fim de assustar quem estivesse lá fora. Mas não via ninguém.

A mulher da fila do banco encarava-o aparentemente assustada, esperando alguma reação do seu bravo homem, a quem escolhera para viver para sempre. Ele não podia decepcioná-la, não estava ali para isso. A casa era sua e ninguém entraria sem a devida permissão. Tinha que dizer isso em voz alta, assim ela se acalmaria e o abraçaria, mas preferiu ficar calado e transmitir alguma expressão de confiança para poder ver o sorriso desconcertado da bela mulher debaixo de sobrancelhas mortas e pupilas afogadas em lágrimas de orgulho.

Encontrou-se ainda à janela. Tranqüilidade lá fora. O barulho nem mesmo parecia ter acontecido. Mas não restava dúvida, tinha ouvido algo de estranho vindo da varanda e precisava descobrir do que se originara.

Depois de mais algum tempo parado, olhando para o céu através das venezianas, distraiu-se com a lua, com as nuvens avermelhadas e com as estrelas que brilhavam aleatoriamente. Resolveu voltar para a cama. Se ouvisse mais alguma coisa, voltaria correndo e muito zangado. Rosnou algo parecido com isso a uma altura suficiente para ser entendido e sentiu o forte abraço de sua amada.

Deitou-se. A insônia ainda estava presente, evidente. A mulher da fila do banco estava ao seu lado, e ele passaria a noite em claro, se preciso, somente para protegê-la. Mantinha-se acordado e já não pensava em mais nada. A mulher do banco estava em algum lugar, longe. Não conseguia dormir. Dessa vez, por medo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

o som dos sonhos

impera o grave de grossos fios e de pele viva
num palco de samba estampado com flores
onde o recheio de grãos inquietos marca a hora
de entrar quase caindo numa saia rodada

enganos de pausa fazem os pés se encontrarem
e então se calarem com a euforia um do outro
sapecando no repique do balanço que se estende
pra outro dia não haver com tamanha liberdade

passa cor e passa brilho sem vazio nesse espaço
todo passo em quaquer tempo sem ousar pedir perdão
epidemia de alegria contagia e não tem cura
o som dos sonhos quero ouvir em cada instante mais real

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

antes morto

um tacape de responsa
me faz criar coragem
pra enfrentar aquela onça
que não quer me dar passagem

quando sinto o bafo dela
quase cai o meu nariz
meu castigo é a besta fera
por todo mal que fiz

taco o pau em sua testa
mas a onça não se acanha
pelo visto nada resta
a não ser usar minha manha

pego o mote no cipó
e dou dez piruetas
meto o dedo em seu fiofó
enquanto a fera faz caretas

dou carreira na estrada
e caio em um precipício
morro com a mão melada
de escrementas do orifício

a moral da história é pouca
nunca banque o "kung-fu"
antes morto pela boca
do que sujo pelo ...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

(im)próprio

pensar chega a doer demais
e quanto mais eu me aproximo de mim
menos distante eu estou do instante
que de tão real só quer fugir

de mim e por mim talvez o faça
e renasça em outra forma no amanhecer
quando minha alma tocar o fogo sem queimar
e a tua tocar a minha sem querer